18 Abril 2022
Apaixonado por Jesus e pelo mistério da Encarnação, ele estava convencido de que, uma vez conhecido Jesus, não podia fazer nada mais senão imitá-lo. Por isso, o Ir. Charles de Foucauld procurou se encarnar, por sua vez, no ser humano mais simples e mais cotidiano, no trabalho humilde e na comunhão de vida com os outros.
A opinião é do padre italiano Gabriele Ferrari, responsável pelo Centro de Formação Permanente dos Padres Xaverianos, ex-superior geral dos xaverianos por 12 anos e ex-missionário no Burundi.
O artigo foi publicado em Settimana News, 11-04-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
À medida que se aproxima o dia da canonização de Charles de Foucauld (Irmão Carlos de Jesus), no próximo dia 15 de maio de 2022 – ele havia sido proclamado bem-aventurado no dia 13 de novembro de 2005 pelo Papa Bento XVI –, não podemos deixar de nos perguntar como e por que esse homem se tornou um santo tão atraente e simpático no universo da santidade cristã do nosso tempo.
A vida do Pe. Charles de Foucauld foi relativamente breve, apenas 58 anos, dos quais 28 de vida mundana e até dissoluta (1858-1886) e 30 anos vividos no seguimento do seu “bem amado irmão Jesus” (1886-1916), que se concluíram violentamente, morto por bandidos locais no dia 1º de dezembro de 1916.
Após a conversão que culminou no encontro com o abade Huvelin no dia 28 de outubro de 1886 no confessionário da Igreja de Santo Agostinho em Paris, ele empreendeu um singular percurso espiritual que o levaria a uma forma inédita de santidade e de vida consagrada.
Ele tentou diversos caminhos espirituais, da Trapa à vida solitária a serviço de um convento em Nazaré e Jerusalém, à formação sacerdotal à vida no deserto norte-africano de Beni Abbés e de Tamanrasset, sempre em busca de uma vida que lhe permitisse reviver a vida humilde, pobre e escondida de Jesus nos anos de Nazaré.
Apaixonado por Jesus e pelo mistério da Encarnação, ele estava convencido de que, uma vez conhecido Jesus, não podia fazer nada mais senão imitá-lo. Por isso, o Ir. Charles procurou se encarnar, por sua vez, no ser humano mais simples e mais cotidiano, no trabalho humilde e na comunhão de vida com os outros, preenchendo o seu dia com a escuta da Palavra e com longas adorações diante do Santíssimo Sacramento. Assim, ele se aproximou das pessoas mais simples e pobres sem fazer distinção de raça ou religião, modelo daquela fraternidade universal que o Papa Francisco propôs na encíclica sobre a fraternidade e a amizade social Fratelli tutti: “[Ele] queria ser ‘o irmão universal’. Mas somente identificando-se com os últimos é que chegou a ser irmão de todos. Que Deus inspire este ideal a cada um de nós” (n. 287).
A vida e a morte do Ir. Charles tornaram-se “um parâmetro para medir um novo modo de ser testemunha de Cristo e do seu Evangelho e um novo modo de ser ‘mártir’’” (Ir. Michael Davide, “Charles de Foucauld”, Ed. San Paolo, 2016, p. 151).
Não é possível apresentar aqui o caminho humano e espiritual de Charles de Foucauld, que, partindo de uma educação religiosa e burguesa e da normal rejeição dela no momento da adolescência, passando pela vida militar, chegou a uma crise existencial que levou a redescobrir a sua raiz cristã. Dela veio a vida ascética e mística do Ir. Carlos de Jesus, um monge atípico que viveu no deserto, no meio dos não cristãos, seguindo um projeto de vida que ainda fascina quem o conhece.
Aqui só é possível mostrar alguns dos aspectos mais significativos da sua espiritualidade, nos quais também nós podemos nos inspirar na intenção de viver a palavra de Jesus: “Aprendam de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para suas vidas” (Mt 11,29), três atitudes que são muito atuais neste momento da história do mundo e da Igreja, em particular da missão ad gentes.
A partir do dia 28 de outubro de 1886, Charles de Foucauld sentiu-se, como Paulo (Fl 3,12), capturado por Jesus e compreendeu que já não podia fazer outra coisa senão viver para Deus. Sua vida tornou-se, então, uma contínua adoração do seu Mistério.
Apaixonado por Deus e, especificamente, por Jesus, o Deus que se fez homem, Charles se dedicaria inteiramente ao conhecimento e à imitação do seu “bem amado Irmão e Senhor Jesus”.
Passava longas horas em adoração ao Santíssimo Sacramento, lia o Evangelho, meditava-o, transcrevia-o e, sobretudo, tentava vivê-lo. Desejava crescer no conhecimento de Jesus para amá-lo, imitá-lo, obedecer-lhe, deixando-se encontrar e tocar por Jesus na certeza de poder ver e tocar nele o “Verbo da vida” (1Jo 1,1).
De fato, ele escreveu ao seu amigo Gabriel Tourdes: “Eis o segredo da minha vida: perdi o meu coração por este Jesus de Nazaré crucificado há 1.900 anos e passo a minha vida tentando imitá-lo tanto quanto a minha fraqueza o permite” (7 de março de 1902).
O estilo de vida, de oração e adoração foi uma escolha pessoal do Ir. Charles, que, no entanto, não o impediu, pelo contrário, o levou a entrar profundamente no coração, na cultura e na história das pessoas no meio das quais, assim como o Verbo de Deus, ele pôs a sua morada (cf. Jo 1,14). Não por um interesse apenas etnográfico, mas para poder conhecer a riqueza dos dons derramados por Deus como preparação evangélica.
A adoração do mistério de Jesus e o amor pelo povo tornaram-se o conteúdo da sua oração e da sua contemplação.
Ler hoje as suas meditações sobre o Evangelho, fruto das suas longas horas de oração e de adoração diante do Santíssimo Sacramento no silêncio da ermida, é uma experiência fascinante e envolvente. São palavras simples, mas profundas, que convidam a refazer um caminho pessoal de aproximação à Sagrada Escritura para fazer da Palavra de Deus o alimento da própria vida espiritual e o critério das escolhas de vida e da missão de cada discípulo também e sobretudo hoje. O Papa Francisco não convida também a nossa Igreja a voltar ao Evangelho?
Um segundo aspecto característico do Ir. Carlos de Jesus é viver a vida de Nazaré. Ele optou por viver no deserto em meio aos pobres a serviço de uma pequena tribo nômade: os tuaregues. Ele fez isso para se assemelhar a Jesus que viveu os primeiros 30 anos da sua vida no obscuro vilarejo de Nazaré, trabalhando como carpinteiro para ganhar o pão de todos os dias.
A vida do Ir. Charles, assim como a de Jesus, normal na sua cotidianidade, era feita de coisas simples, de acolhida a quem encontrava, de trabalho feito com cuidado e precisão, de relações fraternas com os concidadãos na escuta, na ajuda e na partilha da vida. Uma vida pobre, simples, comum, que não o afastava da vida dos seus tuaregues.
Mas o Ir. Charles estava convencido de que ela, assim como a vida vivida por Jesus nos seus 30 anos em Nazaré, era uma vida que, vivida diante de Deus, tinha um valor salvífico como os três anos de vida pública.
Essa sua intuição ajuda também a nós, cristãos de hoje, a redescobrir o valor oculto entre as dobras da cotidianidade e das relações normais da vida de todos os dias, enquanto muitas vezes consideramos válida somente aquela vida que é feita de atividades e de presença visível e voltada à eficiência imediata.
O Ir. Charles sabia, porém, que é precisamente nos gestos simples e ordinários da vida de todos os dias que podem germinar o amor, o cuidado, o sentido profundo que Jesus lhe inspirou, vivendo por 30 anos como qualquer outro homem.
Cada gesto vivido na presença de Deus tornava-se, para o Ir. Charles, um gesto de amor e de encontro com Deus e, portanto, carregado de eternidade! De fato, ele escreveu ao abade Huvelin, seu pai espiritual: “Esta pequena vida de Nazaré que eu vim buscar (...) uma vida de trabalho e de orações [é aquela que] Nosso Senhor levava” (22 de setembro de 1893).
Consequentemente, o estilo de vida do Ir. Chales quer ser o da bondade, da proximidade ao outro. Ele se propõe a imitar Jesus e, como ele, deseja testemunhar o rosto bom de Deus: “O meu apostolado deve ser o apostolado da bondade”, escreveu ele à sua prima Marie em 12 de maio de 1902.
A nossa vida, seja como e onde quer que ela se desenvolva, também pode perseguir este propósito: procurar que cada evento e cada encontro faça transparecer um fragmento da beleza do amor de Deus que se manifestou em Jesus: só essa, de fato, é “a beleza que salvará o mundo” (F. Dostoiévski, em “O idiota”).
A escolha do Ir. Charles de viver com os tuaregues para lhes oferecer a sua amizade gratuitamente, a exemplo de Jesus, que amava a todos e se aproximava de todos, especialmente de quem precisava da sua presença, dilatou o seu coração, de modo que ele declarava com vontade que se sentia e queria ser um “irmão universal”.
À sua prima Marie de Bondy, ele escreveu: “Quero habituar todos os habitantes, cristãos, muçulmanos, judeus e não crentes, a olharem para mim como seu irmão, o irmão universal (...) Começam a chamar a minha casa de ‘a fraternidade’ (a Khaoua, em árabe), e isso me é caro” (7 de janeiro de 1902).
O primeiro passo para ser irmão de todos, para Charles, era se encarnar profundamente (na medida do possível...) no mundo cultural dos seus irmãos, compartilhar o estilo da sua vida, as suas expectativas e os seus sofrimentos.
No tempo passado na Argélia durante o seu serviço militar, ele tivera a oportunidade de observar e estudar a cultura dos povos berberes até adquirir uma verdadeira competência nesse campo. Isto lhe deu a possibilidade e os instrumentos para se aproximar com inteligência da cultura das populações no meio das quais ele vivia, em um tempo em que não se dava muita importância às culturas não ocidentais, pensando que só a Europa podia ostentar uma cultura!
Partindo da caridade de Cristo, despertada cotidianamente na adoração e na leitura orante do Evangelho, o Ir. Carlos de Jesus sentia crescer nele o desejo de se dedicar cada vez mais a Deus e aos irmãos.
Na adoração, a presença de Deus se fazia real, e nesse momento de íntima oração ele levava à presença de Deus aqueles que encontrava todos os dias e as muitas pessoas com as quais mantinha correspondências. Ele não só trabalhava para se assemelhar a Jesus e ganhar o pão, mas também abria a sua casa para acolher as pessoas que, cada vez mais numerosas, se apresentavam na porta da sua casa, começando pelos tuaregues, todos rigorosamente muçulmanos, até aos soldados franceses presentes na colônia, passando pelos turistas que já naquela época viajavam pelo deserto. A todos ele oferecia uma palavra e, se solicitada, uma ajuda.
É extraordinário o número de cartas que ele escreveu naqueles poucos anos a partir da sua ermida, todas embebidas da sua fé. A todos, ele oferecia a presença de Deus que descobriu na oração e na meditação do Evangelho: um Deus bom, que não julga e não condena, que não quer conquistar ninguém para a fé, que impulsiona à promoção e ao bem do outro, um Deus que se faz irmão e nos pede que façamos o mesmo.
“É impossível amar a Deus, querer amar a Deus sem amar, querer amar as pessoas: quanto mais se ama a Deus, mais se ama as pessoas. O amor a Deus, o amor aos homens é toda a minha vida, será toda a minha vida, assim espero”, escreveu ele ao seu amigo Henry Duveyrier, em 24 de abril de 1890.
O Ir. Charles empenhava-se com rigor e dedicação na ajuda material e espiritual daqueles com quem se encontrava: acolhia, escutava, dialogava, oferecia alimentos e remédios... fazia-se amigo e irmão de todos, porque queria ser irmão de todos, em imitação ao seu (e nosso) Senhor e Irmão, Jesus de Nazaré… até ao dia em que, pela sua fidelidade em permanecer no meio dos irmãos muçulmanos, chegou ao dom de si mesmo no sacrifício da vida, no dia 1º de dezembro de 1916.
A sua maneira de ser cristão no meio daqueles que não são e não pretendem se tornar cristãos se tornou um novo paradigma da missão ad gentes, para este tempo marcado pela cultura da suspeita e da desconfiança, enquanto se tenta libertá-la das incrustações coloniais que a deturparam e a tornaram hostil às gerações atuais.
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Charles de Foucauld: um novo modo de viver o Evangelho. Artigo de Gabriele Ferrari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU